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Dislexia e Privação de Direitos


Photo by Annie Spratt on Unsplash

Inevitavelmente ao falar em direitos sociais de inclusão dentro do sistema social atual é falar de um estigma muito longe de ser rompido. Em épocas de redes sociais, de divulgação de temas controversos e pessoas querendo ser politicamente corretas, encontramos situações reais vividas por mais de 21% da população brasileira que são, de alguma forma, declaradamente pessoa com deficiência. O direito dessa grande fatia da população é diuturnamente violado. É possível ver isso claramente em algumas dificuldades enfrentadas pelos PCD (pessoas com deficiência) todos os dias como: nas inconsistências e mal-uso de vagas em estacionamentos especiais para PCD, vaga em concursos públicos, filas preferenciais em estabelecimentos comercias e cobrança diferenciada em unidades de ensino. Cada vez mais encontramos simpatia nas falações de grande parte dos entendidos sobre o assunto, mas, na prática, as discriminações são reproduzidas mesmo assim no cotidiano, assim como o racismo e a homofobia. Cabe ressaltar que as diferenças entre todas as minorais existentes estão pautadas a grosso modo em condições de existência humana, ou seja, somos diferentes e ponto final. Necessitamos de respeito, de sermos todos tratados de maneira igual e que não reste nenhum tipo de diferença no que tange o acesso aos direitos sociais.

No campo das pessoas com deficiência é encontrado também diferenças que “classificam” determinado segmento como deficiente ou não deficiente, o que acaba também por excluir determinados grupos, como os transtornos ou síndromes, numa espécie de exclusão dentro da exclusão. Alguns segmentos estariam mais reconhecidos como PCD e com isso estariam “melhor” incluídos do que outros. É o caso também das pessoas com deficiência intelectual e as pessoas com transtornos mentais, de comportamento e ou de aprendizado; ambos estão tratados do ponto de vista legal de maneira totalmente dista, e conforme tal distinção estes segmentos são ainda mais preteridos pois numa escala de inclusão legal, alguns segmentos estão a mercê da própria sorte, visto que não estariam reconhecidos nem dentro das políticas inclusivas. Algumas “categorias” de pessoas com deficiência, como no caso dos PCD Intelectuais, historicamente estão renegadas a institucionalização doméstica ou ao assistencialismo sem possibilidades de desenvolvimento de suas potencialidades, ficando vinculados quase que totalmente as políticas assistencialistas e financeiras de manutenção de sua condição num universo sem perspectiva.

Atualmente com o advento da LBI, a avaliação das diferenças está relacionada a avaliação das funcionalidades, fator que evidencia a necessidade de que as PCD sejam avaliadas individualmente, relacionando sua deficiência aparente, grau de acometimento de sua funcionalidade e principalmente sua potencialidade; a LBI então, “se destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. A LBI estabelece um arcabouço mais atual de direitos e deveres para as PCD, este instrumento legal foi criado e buscou durante todos os seus anos de elaboração atender a todos os segmentos dos PCD. Alguns segmentos sentem-se mesmo assim excluídos a lei, não que esta não tenha se preocupado em atender a todos, mas sim porque não ficaram discriminadas de maneira expressa, logo necessitando de análise de equipe multiprofissional que avaliarão cada caso individualmente. Um exemplo são as pessoas com dislexia que não são identificados como PCD em nenhuma lei, pois não são pessoas com deficiência aparente, e sim pessoas com comprometimento de funcionalidade relacionado ao transtorno de aprendizagem, que deve ser acompanhado desde a mais tenra idade, sob pena de implicações futuras no desenvolvimento e nas relações sociais dos que possuem este transtorno.

Do ponto de vista legal, todos somos iguais perante a lei, a Constituição Federal de 1988 (Constituição Cidadã), hoje muitas vezes esquecida no que tange seu cumprimento, estabelece outros princípios a dignidade da pessoa, que nada mais é do que o atendimento as necessidades do ser humano de maneira plena em todas as etapas da vida. Neste contexto, a educação está disciplinada como direito básico e em caso de omissão para crianças e adolescentes, passível de responsabilização dos pais, responsáveis e do próprio Estado. No entanto, tanto as pessoas com deficiência intelectual que necessitam de acompanhamento diferenciado no seu desenvolvimento cognitivo, quanto outras com transtorno de aprendizagem, encontram nas escolas regulares verdadeiras barreiras na sua inclusão.

Frisa-se que estas barreiras não são físicas, pois geralmente a ideia de inclusão está relacionada as vagas em estacionamento, rampas de acesso e banheiros adaptados, por exemplo. Em escala de facilidade nas adaptações, são as mais fáceis, visto que são estruturais, ou seja, construções que podem ser feitas a qualquer momento, bastando a boa vontade dos administradores, mas que ainda assim, são barreiras a serem superadas com o atendimento ao desenho universal em todas as edificações públicas ou privadas. Mas se a estrutura física já é um entrave no processo de inclusão das PDC físicas (cegos, cadeirantes, ostomizados, nanismo, etc.) podemos imaginar o que sofrem pessoas em que as limitações não são visíveis; por exemplo, transtornos que estão relacionados ao comportamento e as relações sociais, como no caso das pessoas com autismo, e ao aprendizado, como no caso das pessoas com dislexia. Quanto menos aparentes é menor o conhecimento sobre o que venham a ser estes transtornos, mais difícil se torna de incluir esta pessoa, não por não serem capazes, mas por se tornarem ainda mais invisíveis para os profissionais; tornam-se alvos fácies para serem excluídos do sistema regular de ensino, se tornando verdadeiros reféns em sua própria casa e até mesmo em um faz de conta das escolas em que restam matriculados.

As barreiras educacionais atingem todas as pessoas com dislexia, uma vez que todas deveriam estar inseridas dentro da rede de ensino regular. Porém, devido à falta de disciplinamento legal, garantindo as adaptações necessárias para o desenvolvimento educacional, fazem com que não se execute adaptações no padrão de ensino e nem tão pouco técnica para o atendimento diferenciado de crianças e jovens com dislexia. No entanto, a falta de leis que garantam especificamente direitos as pessoas com dislexia não fazem com que não estejam garantidos os seus direitos, várias são as leis que deveriam ser observadas para evitar este posicionamento, principalmente a prática excludente no sistema de ensino. Leis como a Constituição Federal, as convenções e declarações universais trazem como princípios a garantia do pleno desenvolvimento e igualdade de oportunidades para todos os segmentos, garantindo acesso aos bens e serviços e o desenvolvimento de potencialidades; os mesmos podendo apenas serem efetivados quando todos os que precisam forem alcançados por atendimento específico, baseado em suas diferenças de aprendizado, capazes de alcançarem o desenvolvimento “padrão” ou pelo menos o desenvolvimento que conseguirem alcançar. De maneira clara também diz a constituição que não se pode tratar de maneira diferente qualquer cidadão brasileiro ao ponto que devem ser respeitados em sua singularidade.

A LBI - Lei Brasileira de Inclusão, de julho de 2015, é a lei que traz de maneira clara a inclusão de todos os segmentos de pessoas com deficiência e não mais classifica quem são o público alvo das políticas públicas de inclusão; traz sim uma ampliação conceitual de que, conforme o artigo 2º “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. A LBI precisa ser absorvida por pais, responsáveis, gestores, e principalmente pessoas com deficiência que se sentem lesados em seus direitos, para garantir o acesso as políticas públicas inclusivas e serem respeitados em suas diferenças, mesmo se consideradas no padrão hipócrita do que se conceitua “normalidade”. Na LBI o princípio norteador é estabelecer que a avaliação das pessoas com deficiência se dê por “avaliação biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III - a limitação no desempenho de atividades; e

IV - a restrição de participação”.

A participação em que trata o parágrafo 1, do artigo 2º da LBI, está relacionada a avaliação ampla, ou seja, em todos os espaços da vida social, quer seja no cinema, no trabalho e principalmente na escola. De modo que não se pode achar que esta inclusão está relacionada somente a participação na sala de aula, de maneira física, onde os alunos com dislexia tenham vagas na escola. E sim que possuam acompanhamento adequado, com o uso de tecnologias assistivas ou adaptações razoáveis capazes de desenvolver ao máximo cada pessoa com dislexia de maneira individual e garantir o pleno processo de ensino-aprendizagem capaz de construir possibilidades de desenvolvimento visando a inclusão deste segmento na sociedade.

Portanto, a efetiva garantia de direitos de inclusão e de igualdade está relacionado diretamente à cultura de um povo que deve ser compreendida no todo de suas diversidades, pois é necessário garantir todas as formas de participação e acesso, respeitando as diferenças. Porém para que isso se transforme em realidade é necessário fundamentalmente a apropriação de conhecimentos capazes de garantir o que a lei preconiza e com isso modificar a prática de quem ainda insista em desvirtuar, sobretudo praticando várias formas de discriminação e preconceito, que só faz reforçar o caminho da exclusão e da segregação das pessoas com deficiência. No momento em que todos se apropriem do conhecimento e busquem todos os equipamentos públicos e jurídicos capazes de conseguir denunciar práticas discriminatórias e inapropriadas teremos um sistema jurídico equânime.

Deste modo, fazer chegar nos operadores do direito, ministério público, defensoria pública, judiciário e toda a rede de garantia de direitos é fundamental para a efetivação das leis e sobretudo para alcançarmos uma sociedade inclusiva e respeitosa de todas as formas de diferença. Efetivamente pais, mães, professores, pedagogos não foram orientados ao longo da vida para saberem lidar com tudo e todas as situações de diferenças, mas precisam estarem dispostos e com o interesse claro de não fazer perpetuar formas de diferenciação e discriminação capazes de impedir e não desenvolver as necessidades especiais de seus filhos e alunos. Sejamos e estejamos disponíveis para descobrir qual o melhor processo, qual a melhor técnica, qual a necessidade e seguir um caminho de valorização e desenvolvimento das potencialidades de cada ser.

Portanto, inicialmente aceite as diferenças e as necessidades especiais de seu filho e aluno; em segundo lugar garanta que não exista nenhum impedimento de acesso a serviços e direitos em qualquer equipamento público ou privado de ensino e nenhuma área e depois se disponha a unir forçar e somar na busca de melhores técnicas e tecnologias para atendimento das necessidades específicas. Caso não consiga procure logo o sistema de garantia de direitos, sobretudo o Ministério Público e denuncie; garanta a lei e os direitos de quem você conhece, respeita e ama.

QUEM ESCREVE

Sabrina Vieira da Luz é fonoaudióloga, advogada e uma das fundadoras do Domlexia

Kelly Cristiny Cabral é advogada e assistente social

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